Somos muitos. Demasiados. E seremos cada vez mais gente no Mundo. Em cada viagem, os destinos serão menos remotos, as aventuras mais partilhadas. E onde há gente, haverão encontros. Uns mais desajeitados, outros apaixonantes e alguns marcantes.
Perguntámos a Alicia Sornosa o que a havia marcado mais nas suas viagens de moto pelo mundo. A resposta é a que muitos globetrotters dão: as pessoas. De moto temos oportunidade de ir onde a maioria não vai. Se lhe juntarmos uma compulsão em apontar aos destinos menos escolhidos, há uma responsabilidade imensa que temos de assumir: a do respeito. Qual é a imagem que queremos deixar naquela pessoa que nunca antes vira um alienígena de cores espanpanantes, de cara escondida por um capacete? A de alguém que partiu mais rápido do que chegara? De quem lhe “roubou” fotos e retratos pessoais?
Não podemos simplesmente dizer que o melhor são as pessoas: temos de agir como tal. Isso implica que lhes dediquemos tempo e cultivemos o respeito por elas. Que não sejamos condescendentes nem paternalistas, julgando aos nossos olhos e à nossa imagem. Viajar num novo país é também perceber como é essa cultura, das quais as pessoas são os seus embaixadores. Mesmo quando a língua é uma barreira, há que fazer o esforço de a derrubar.
Inscrevi-me no workshop de fotografia do TREVLer Tiago Figueiredo a pensar que aprenderia a técnica da fotografia. Mas a maior lição foi perceber a importância do retrato, porventura a mais forte das fotografias. Aquela que faz “capa” das nossas memórias e deixa marca em quem a viveu. Porque tem profundidade e uma história: da relação que se construíu; dos mundos que nos abriu e explicou na primeira pessoa. Porque tem vida. E não queremos ter vergonha de contar essa história; não pode ser simplesmente “alguém”, mas um “nome”. Um nome que conseguíramos dando por troca algo nosso, pessoal, que todos temos: o nosso nome. E isso vale mais do que Tshirts, “argent”, “monnaie” ou “stylos”... tem de valer.
Enquanto escrevo estas linhas tenho a meu lado um mapa da Quirguízia. Nos noticiários ensinam-nos que por aquelas bandas andam criminosos, assassinos, terroristas. Nem eu nem nenhum outro viajante se pode demitir da sua responsabilidade ao decidir ir até lá. Mais do que preciso, é urgente aproveitar e mostrar que “deste lado” também damos valor ao mesmo sorriso, que estamos dispostos a ouvir e aprender. Que não deixamos apenas uma cortina de poeira turva que não mostra quem somos.
Talvez no âmago de dramas como o “Charlie Hebdo”, que nos toca fundo na liberdade de imprensa, esteja a indisponibilidade para vermos o mundo pelos olhos dos outros, por preferirmos falar a escutar.
Alicia faz tudo isto muito bem. Leva consigo uma chave universal: um sorriso delicioso que deixa em todas as portas onde bate. E, como em tudo na vida, recebe-se aquilo que se dá. Traz consigo histórias em cada sorriso. Viajar sozinho é duro, mas encoraja o encontro pessoal, não importa onde nem com quem. Ouvir os grandes viajantes que se demoram nos lugares é importante porque nos marca. Não pelas paisagens de postal ilustrado, mas pela forma como sentimos que viveram cada contacto.
Neste número da TREVL passamos à acção, também. Dedicamos as nossas páginas aos encontros, aos contactos e às histórias que cada um conta. Desafiamos os viajantes a abrir a viseira ou tirar mesmo o capacete, a sorrir, a sair da moto. E a perder a vergonha do contacto, mesmo que trapalhão e atabalhoado. Porque para a TREVL importa ser genuíno.